18 de junho 2022 /// Teatro Nacional Dona Maria II
200 Perguntas a cada,
performance com 10 participantes
2h
2022

"Senta-te e escreve duzentas perguntas.
Agora pensa no que é isto de fazer arte, no que é para ti e para os outros, no que é hoje e no que já foi, no que os outros dizem que é, e no que tu gostavas que fosse. Escreve as perguntas outra vez.
Agora imagina que as categorias onde encaixamos as coisas que normalmente são arte não te satisfazem completamente, que gostavas de fazer várias coisas diferentes ao mesmo tempo, que gostavas de fazer algo que nem é bem uma coisa nem outra, e que muitas vezes não só não percebes onde acabam e começam as disciplinas, como estar entre elas é muito mais estimulante.
Rescreve as perguntas.
Agora supõe que te encontras todos os sábados com um grupo de pessoas como tu, com interesses diversos mas com a mesma vontade de pensar para lá das convenções, de pensar sobre elas, com elas, inevitavelmente, mas para além delas. Que falam do que vos inquieta, falam inquietos, mantêm-se em inquietude fazendo nascer inquietação com inquietação.
Em seguida as perguntas serão provavelmente diferentes.
Agora põe a hipótese de circulares por várias instituições, conheceres pessoas que nelas trabalham, poderes fazer perguntas difíceis, teres espaço para questionar o modus operandi dos processos e alguém tentar encontrar uma resposta para ti.
Não há como as perguntas se manterem iguais.
Agora considera ainda que és levado a pensar no espaço, no tempo, na paisagem, nas mutações, na performance, na ciência, na curadoria, no espectador, no teatro, na hereditariedade, no género, na política, no museu, nas oportunidades, nas referências, nos dispositivos, na vontade, na impossibilidade, nos limites, no outro, nos outros, nas práticas, no corpo, no lápis fora do papel, no papel que faz som, no som que acompanha a forma, na forma do lugar, no lugar onde pousamos os lápis.
Provavelmente as tuas perguntas seriam como as nossas.
O futuro apareceu-nos assim, repleto de perguntas, e a única maneira de lhe responder, de o segurar, de o pôr em marcha foi cada um de nós, escrever 200 perguntas para serem perguntadas."

texto por Sara Franqueira
"Entre as coisas mais urgentes a se fazer na atualidade está o exercício de encontrarmos novas perguntas, visto que as respostas às questões não se mostram suficientes para modificar as condições em que chegamos. No entanto, se as perguntas se revelam cada vez menos possíveis de serem novas, é especial que sejam feitas por estratégias que lhes confira outras qualidades de pertencimento ao mundo e desconfiança do real. Ao dar a oportunidade de artistas e espectadores ocuparem o espaço da cena, sendo o conjunto de indivíduos a cena propriamente, 200 Perguntas a cada subverte os microfones que deixam de existir espaços de vozes para se tornarem acontecimentos de manifestos. As perguntas, ditas com aleatoriedade e surpresa, constroem no percorrer do tempo e das interrogações uma lógica própria, diversa, cuja narrativa articula diálogos improváveis e possibilidades impossíveis de serem respondidas. 
O excesso, a duração, a persistência e permanência radicalizam a narrativa ao convite de sua experimentação. Algo ali está no entre das questões, e nesse algo se recupera o sentido de participação e ação. As perguntas são as verdadeiras protagonistas; os corpos das atrizes e atores, veículos de improvisação da materialidade das palavras; e o público, esteja ele mergulhado na lista de questões ou entregue ao outro pelos ouvidos, é a dimensão mais teatral que se pode conferir no tempo do acontecimento. Se não há resposta final, e não haverá de ser possível que exista alguma, as perguntas deixam de interrogar e articulam a dimensão ficcional daquilo que indiretamente narram. É nesse aspecto que a jovialidade dos performers se justifica com mais ênfase, expondo a necessidade de as questões virem daqueles diante o futuro a descobrir. Ou inventar? Por vezes, parecem perguntas ingênuas, em outros momentos, chegam a sugerir alguma ironia. Mas, ao todo, em soma, as perguntas, frase após frase, nos alertam sobre a perda de nossa curiosidade e indignação."

texto por Ruy Filho | Antro Positivo  @antropositivo